cartinha da ju rabelo

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02 // mas tu vai deixar de ser artista?

julianarabelo.substack.com

02 // mas tu vai deixar de ser artista?

a pergunta que mais recebi quando contei sobre a transição de carreira

juliana rabelo ✸
Jan 12
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02 // mas tu vai deixar de ser artista?

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Essa é uma pergunta que eu tenho me feito desde que comecei a pensar sobre a possibilidade de mudar de profissão. Ela também esteve presente em muitas sessões de terapia, e depois em conversas com as pessoas mais próximas.

Talvez, pra responder essa pergunta, eu precise de um pouco de contexto.

Eu fui a criança que sempre gostou de desenhar. Como eu fui filha única por 8 anos e nascida em uma família nada funcional, desenhar era o que me salvava: era a minha companhia, a minha diversão, era como eu me sentia menos sozinha.

Da mesma forma que eu não escolhi gostar de desenhar, anos mais tarde, eu meio que não escolhi fazer disso o meu trabalho - não foi uma decisão pensada, planejada, estrturada: simplesmente aconteceu, foi acontecendo, e eu fui seguindo a correnteza. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, trabalhar com ilustração também era remar contra a correnteza em muitos aspectos.

Na mesa do bar com os amigos, eu era a pessoa que enchia o peito pra dizer coisas como “eu faço meu horário”, “eu sou minha chefe”, e o clássico “eu posso trabalhar de qualquer lugar do mundo”.

Ao mesmo tempo em que eu nunca soube o que era ter salário, décimo terceiro, férias, expediente… enfim, qualquer coisa próxima a direitos trabalhistas. Essa foi a minha vida nos últimos 10 anos. E é claro que esse ritmo de trabalho frenético iria cobrar a conta, mas eu sempre achei que essa conta seria, sei lá, uma tendinite, uma artrite… Não um burnout.

Sou muito grata, muito mesmo, por todas as oportunidades e pessoas maravilhosas que a carreira de ilustradora me trouxe. Afinal, nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria que um dia pudesse trabalhar com a Faber-Castell. Que a Canson apoiaria o meu curso de aquarela. Ou que minhas ilustrações estariam em livros didáticos de escolas de todo o país.

Mas 2023 vai ser o ano de me despedir, encerrar esse ciclo.

O ato de desenhar pode, sim, ser extremamente mecânico. Não, nem sempre você vai precisar colocar o seu coração inteiro em uma peça. Mas o quão saudável é o esforço de moldar um processo criativo para que ele se encaixe nas demandas do sistema capitalista? O quão saudável é associar essa atividade à sua sobrevivência? Eu definitivamente não calculei os riscos de transformar esse meio de expressão na minha fonte de renda.

“Se eu não desenhar, não pago minhas contas.” - Isso foi algo que me moveu por anos e anos. Constantemente, eu buscava um propósito maior no meu trabalho, e demorou pra eu entender que é praticamente impossível conquistar esse “algo maior” quando não se tem ao menos o mínimo, a certeza ao menos do básico para se viver.

Respondendo à pergunta que nomeia essa cartinha, não, não acho que eu vou “deixar de ser artista”. Na verdade, eu quero voltar a sentir coisas boas ao sentar na minha mesa de de trabalho. Só que pra isso, essa mesa precisa deixar de ser uma mesa de trabalho. E é por isso que 2023 vai ser um ano de despedida.


PS: Isso significa que todos os cursos que eu estou anunciando serão os últimos em um bom tempo - se tudo der certo! Então se você, que tá me lendo agora, sempre teve vontade de estudar comigo, a hora é agora. ;)

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Mayara C.
Jan 12

Nossa! Deu vontade de gritar SIM! Ano passado, com o processo de terapia, cheguei na mesma conclusão. Eu amo arte, eu amo pintar e desenhar, mas a incerteza de não ter o básico me destrói. Resolvi mudar de carreira e deixar a arte só pelo prazer de fazer a arte. É uma decisão muito difícil e muito corajosa de se fazer. Boa sorte na sua nova jornada ♡

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Letícia Cândido
Jan 12

Tô carente de um grupo pra tomar café e falar sobre esse tipo de coisa hahah. Foram dolorosos 3 anos pra que eu decidisse, por fim, transitar de carreira, também. Tô satisfeita com minhas decisões, mas que processo louco, mermão. Sorte a minha de ter conseguido aprender contigo a tempo (participei de uma turma tua recentemente, vontade antiga que finalmente rolou), sorte de quem te acompanha de ver teu processo - de vida - amadurecer e se desenvolver, sorte de todo mundo desse Brasil caótico conseguir sobreviver, apesar dos pesares. Bora pra frente, com a faca nos dentes kkk <3

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